Coluna: Bons Costumes
por Fabíola de Oliveira
Edição 02 – Junho de 2012
Calçada segura é um direito humano
Passei boa parte de minha infância e adolescência em Bragança Paulista, uma cidade à época cercada por grandes fazendas e habitada pelas famílias e agregados dos fazendeiros restantes da Era de Ouro do Café. Encantavam-me os casarões em estilo rococó e art noveau, que denunciavam a influência europeia, sobretudo francesa, que predominou na cidade entre o século XIX até o início do século XX, quando a riqueza das famílias dos barões do café começou a
declinar. As pessoas eram conhecidas pelo sobrenome das famílias, que apesar da
decadência econômica, mantinham toda a pose e circunstância.
Além desses aspectos socioeconômicos a cidade tinha (e tem) outra peculiaridade,
essa de ordem topográfica – o centro todo parece ter sido edificado sobre morros, de modo que existem apenas algumas ruas planas que o cruzam. Todas as ruas transversais eram tortuosas ladeiras revestidas com paralelepípedos, ladeadas por calçadas muito estreitas. Nelas equilibravam-se bravas e elegantes mulheres, em saltos palitos, em um tempo em que ninguém saia na rua se não estivesse muito bem vestido, a la française de preferência. Tanto que parecia haver um sapateiro em cada esquina, especialista na recuperação dos saltos que entalavam nas pedras a todo o momento. Pela cidade não passeavam idosos ou pessoas com deficiência de
mobilidade. Para esses, a vida citadina podia ser observada somente das janelas. Muitos anos depois fui perceber porque isto acontecia.
Quando mudei-me para São José dos Campos, em 1970, também observei a escassa presença de idosos, deficientes e bebês em carrinhos nas calçadas da cidade. Foi somente
quando tive a oportunidade de viajar para algumas cidades europeias e americanas, que notei a diferença nas calçadas largas, arborizadas, com pisos regulares, e rebaixadas nos pontos de cruzamento, facilitando imensamente a mobilidade de todas as pessoas. E isto me fez pensar que a existência decalçadas assim, bem tratadas e humanizadas, tem um peso significativo na
mobilidade dos cidadãos, no exercício do direito de ir e vir, um direito humano
elementar.
O governo de nossa cidade começou há alguns anos a implantar o ‘Programa Calçada Segura’, o que é louvável. Mas ainda existem muitas calçadas quebradas e inseguras na área central da cidade, que é o foco principal do programa. A Avenida Anchieta, por exemplo, está bem tratada na parte alta, hoje ocupada por imobiliárias. Pelo menos do lado que é de
responsabilidade da Prefeitura. Mas na parte baixa, há ainda trechos intransitáveis para pedestres. Talvez porque, fora os pontos de comércio, existam ali casinhas pequenas, cujos proprietários possivelmente tenham dificuldade para pagar pelo piso intertravado, obrigatório nessa avenida.
Outro dia, andando com uma tia idosa por essas calçadinhas craquelentas da baixada da Anchieta, tive de dar o braço a ela para que não tropeçasse ou caísse. Outra tia idosa e querida, que reside na Vila Ema e adorava caminhar por lá, tropeçou em um buraco de calçada, quebrou o ombro, e não teve mais coragem de andar por lá. São minhas histórias mais próximas, e devem existir milhares de casos similares.
Com a continuidade do calçamento seguro e dos espaços públicos acessíveis a todos os pedestres, nossa cidade estará dando um bom exemplo de acesso à mobilidade para todos os seus cidadãos.
Fabíola de Oliveira é jornalista e escritora.
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