Ainda sobre o tema da redação do ENEM: bom para quem?
Por Tais Bento
(Novembro de 2015
Agora que as notícias sobre o tão aguardado ENEM já não fazem parte de todos os jornais que lemos, ouvimos ou assistimos, considero o melhor momento para falar sobre o tema da redação que gerou tantos posts e comentários nos últimos dias.
O tema “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira” tem grandes chances de permanecer no top do ranking entre os mais comentados por alguns anos. Eu gostaria de ponderar alguns pontos que me fizeram ficar em dúvida se não estamos comemorando demais e com isso baixando a guarda antes da hora.
Sem dúvida, há diversos pontos positivos na escolha do tema, entre as quais, destacaria relevância do assunto, conexão com a atualidade do país, transversalidade, impacto em todas as classes sociais, problema de amplitude nacional, despertar de toda uma sociedade, não somente de pessoas que sofrem com esse tipo de violência, mídia espontânea gerada em torno do assunto, ajudando a gerar discussões.
Certamente há muitos outros fatores positivos em que podemos pensar. A questão que me fez abordar este assunto, contudo, é a necessidade de estarmos atentos para não esperar efeitos milagrosos de uma dose única de vacina para um mal que carece de tratamento prolongado.
Explico, então, os motivos pelos quais não consigo comemorar o assunto da violência contra a mulher como tema da redação do ENEM.
Se buscamos tomada de consciência sobre o problema, é preciso ressaltar que há excelentes ferramentas para tal durante as aulas e os estudos. No momento da prova, porém, é tarde. Não há condições psicológicas e nem cognitivas para avaliar se o que penso sobre aquele assunto prejudica alguém ou não. Se é algo que causa danos à alguém ou não ou se tenho feito alguma coisa para mudar essa realidade ou não.
O assunto “violência contra a mulher” – ou melhor, a “persistência da violência contra a mulher” diz muito: se a violência persiste, precisa ser atacada de forma estratégica, envolvendo toda a sociedade e sim, conscientizando os mais jovens sobre o assunto. Discussões sobre o assunto, seus motivos, consequências, formas de prevenção deveriam ser uma constante nas escolas. Li muitos comentários de pessoas que comemoravam o fato do assunto agora ter sido abordado pelo MEC, na expectativa de que agora as escolas passem a olhar para tal como algo importante de ser abordado, afinal “caiu no ENEM”. Infelizmente me parece o contrário – do tipo: agora que o ladrão já entrou, não tem pressa para instalar o alarme. Se “caiu” esse ano, já sabemos que tema não “cairá” na próxima prova! Acredito que valeria muito mais uma lista de temas que poderão entrar, e aí sim, teríamos a certeza de que o assunto teria espaço nas aulas do ano seguinte. E, confesso que, se fosse eu a responsável pela lista, alguns temas, como este, estariam sempre na lista, mas não na prova, pois o foco seria manter o debate e estudo sobre eles e não o alívio porque este tema já não precisamos mais abordar!
O papel do aluno que fez a prova – cheguei a ouvir muitos depoimentos de que não foi difícil escrever sobre isso. Evidentemente porque está claro para todos que a postura esperada é a do “sou contra” e isso acaba por facilitar a escolha do caminho a seguir na escrita.
O aluno, no entanto, está sob forte pressão, seja ela imposta por si próprio, pela escola, pela família ou pelo contexto em que está inserido. Nesse momento, em que está em jogo sua auto estima, sua imagem perante a família e amigos, suas expectativas em relação a seu futuro, o foco será a escrita, a forma, a gramática e não o tema. Todos os esforços estão concentrados em ser capaz de, dentro de um determinado tempo – igual para todos – dissertar sobre algo que tem como objetivo medir o quanto ele aprendeu sobre como escrever bem.
Alguém pode me dizer o que a comissão de correção das provas faria com um psicopata altamente versado na arte de escrever e que defendesse em sua redação “o tapinha não dói”? Poderia receber uma nota zero ou muito próxima disso se a escrita estivesse excelente? Ou alguém imagina que a escola o chamaria de volta para tentar salvar o ser socialmente incapaz?
Agora mudemos o foco para as vítimas. Penso ser essencial considerar se é justo para com alunos que vivem ou enfrentam tal situação em casa, levá-los a enfrentar a ferida nesse momento em que tanto precisam de toda sua capacidade cognitiva à disposição, sem bloqueios emocionais que possam atrapalhar seu desempenho. Seria maravilhoso dar a eles uma oportunidade de trabalhar toda a dor e angústia na escola e com acompanhamento profissional adequado. Dar a chance de discutir e até, por decisão do aluno, expor sua realidade para que outros colegas possam entender que sim, acontece ali do seu lado. E assim, seguir com um trabalho educacional que nos permita eliminar a palavra “persistência” nos anos futuros, quando o tema surgir.
E finalmente, pensando nos machistas sem a menor noção do que vieram fazer neste mundo, aos quais alguns posts faziam referência, tomando o tema da redação como um possível tapa na cara. Será mesmo que isso os atinge de alguma maneira? Alguém consegue imaginar um cara desses, capaz de agredir uma mulher, sentado, lendo as redações do ENEM e repensando suas atitudes?
Eu não consigo!
Taís Bento
Graduada em Pedagogia pela USP e Pós-Graduada em Marketing pela FAAP. Especialista em Aprendizagem cooperativa pela Universidade de Minessota e pela Universidad
e de San Diego e Aprendizagem baseada no funcionamento do cérebro pela Universidade de Virgínia.
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