Entrevista: Júlio Ottoboni

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EU MORO NO URBANOVA

Júlio Ottoboni

(Setembro de 2015)

 julio 017

A entrevista da coluna EU MORO NO URBANOVA deste mês apresenta a visão crítica de um morador que acompanhou as principais fases do desenvolvimento do bairro.  Conversamos com o jornalista Júlio Ottoboni, que há 20 anos escolheu o Urbanova para morar e, hoje, sente-se decepcionado com os caminhos que o bairro está tomando.

Perfil: o jornalista de 52 anos é pós-graduado em jornalismo científico.  Estudou arquitetura,  direito e psicologia. Trabalhou como redator na Avibrás no início da profissão. No final dos anos 80 participou do projeto de regionalização da Revista Veja. Atou como repórter nacional na  Agência Estado, depois nos jornais  O Estado de S.Paulo e Jornal da Tarde.  Ministrou aulas durante dois anos na Univap e trabalhou como assessor de imprensa do INPE. Trabalhou ainda na Gazeta do Povo, em Curitiba. De lá seguiu para Gazeta Mercantil e Jornal do Brasil. Trabalhou em um projeto de gestão de crise para a Petrobras e Sabesp. Desde 2011 é jornalista do DCI (Diário, Comércio, Indústria e Serviços) e escreve para o Observatório da Imprensa. É membro da equipe de articulistas da agência Envolverde. “A maior conquista que obtive por meio de minha profissão foi a experiência de vida e o desenvolvimento do senso critico atuando no que havia de melhor na imprensa escrita, isso é impagável. Reconhecimento vem com a qualidade de seu esforço profissional, mas o jornalismo sempre foi uma profissão volátil e por isso desmoronou”, relatou Ottoboni.

Há quanto tempo mora no Urbanova?

Em 1993 comecei a construir minha casa e me mudei em 1995, exatos 20 anos.

Quais fatores influenciaram em sua escolha pelo bairro?

Viemos mais pela qualidade de vida que aparentava proporcionar, pois o projeto original era interessantíssimo embora um engodo, uma jogada de mercado apenas.

Como avalia o desenvolvimento do Urbanova?

Desenvolvimento sempre é associado a questões positivas, apesar disto ser uma falácia. Se comparado há duas décadas, evidente que melhorou. Mas na última década foi algo péssimo, está crescendo sob um planejamento que não pensa na qualidade de vida das pessoas, mas apenas em favorecer o poderio econômico e interesses dos grandes acordos políticos.

Como você imagina o Urbanova daqui há 5 anos?

Bem pior do que está hoje. Caminha para ser  um aglomerado de burgos isolados, um trânsito de veículos infernal, o transporte público cada vez mais ineficiente, comércio com custos caríssimos e que logo será alcançado por um processo de ‘periferização’ que sendo uma marca de São José dos Campos.  O que poderia se transformar num bairro sustentável, perdeu essa oportunidade. Os problemas ambientais vão se agravar com as alterações microclimáticas, poluição do ar e inundações pelo represamento das águas em grandes tempestades. O mais interessante é termos aqui a oportunidade única para se discutir o bairro com alto grau de profundidade, devido à concentração de pessoas qualificadas para o debate e a existência de uma universidade, mas não há comprometimento com o lugar. Os moradores preferem se sentir como passageiros e não se dão conta que já estão fixados.

A população do bairro foi impactada pelo corte de quase 200 árvores na Av. Lineu de Moura no final do mês de agosto. De que maneira a ausência destas árvores e a possível construção de um empreendimento residencial no local pode prejudicar os moradores?

A grande questão é a ausência de se discutir o local onde se vive e se alinhar para defender os interesses do lugar. As pessoas habitam suas casas como se não houve entornos e impactos sobre suas vidas. A questão vai além da supressão de 200 árvores e da piora na qualidade da vida resultante disto ( pois já trouxe uma imensa mortandade de animais silvestres e com certeza aumentará as temperaturas naquela região da avenida entre outras questões). Tem  ainda prejuízo ao cenário local, cada vez com mais concreto e menos verde, o que gera um estresse imenso no indivíduo. A tendência é termos toda aquela área ocupada por mais escolas, hipermercados ou mesmo loteamentos residenciais. Não custa muito lembrar que já anunciaram, como um grande feito, um shopping center no bairro. Isso sem consulta popular nenhuma.

Em sua opinião, quais são as principais necessidades do bairro hoje?

O Urbanova sempre foi colocado no último plano dos investimentos públicos. Os governantes acham que por ser moradia de classe média está isento de problemas e de investimentos. Boa parte disto vem do conformismo da própria comunidade local.  Há muito a Avenida Shishima Hifume necessita ser totalmente recuperada, tem um asfalto péssimo, como está sobre um aterro ficou toda ondulada, enfim algo que mostra bem como as administrações municipais tem tratado o bairro. Pela inexistência de um transporte público com mínima qualidade para seu uso constante, o volume de carros tem aumentado significativamente e a malha viária subdimensionada não consegue dar vazão. Começamos a ter congestionamentos imensos. O pior exemplo é a Avenida Lineu de Moura. Aqui ainda se tem a situação absurda, que se resume no fato de termos  uma única ponte apenas de acesso, que inclusive que já apresentou problemas estruturais seríssimos em 2010. Temos vários ingredientes para amargarmos problemas futuros gravíssimos, que vão desde a degradação acelerada da qualidade de vida, violência urbana  em crescimento exponencial e um altíssimo custo econômico e social de se viver aqui.

Você acredita que um posicionamento mais crítico dos moradores e uma maior integração ajudaria na luta por melhorias pelo bairro?

Sem dúvida, mas isso não existirá. Eu tenho uma teoria para isso. Na Idade Média o modelo feudal criou os burgos – cidadelas fortificadas – que eram acima de tudo refúgios contra invasores de toda natureza, desde exércitos saqueadores,  criminosos e segmentos marginais da sociedade, como a plebe, ou seja, os pobres. Esses redutos tiveram essas características reforçadas após a ascensão da classe média, que acabou por predominar nestes ambientes e aumentar ainda mais os níveis de segregação. Quando eu e minha mulher e alguns outros moradores começamos a estudar e rascunhar a lei do loteamento fechado não se previa isso, pois tínhamos uma integração maior visando solucionar um problema comum, o da regularização dos fechamentos. Hoje está claro que isso criou muralhas, com  guardas  e patrulhamento intramuros, inclusive leis internas próprias e com alta tolerância para desvios de conduta dos moradores. Ou seja, estamos replicando um modelo que teve seu apogeu entre os séculos 12 e 14. Um loteamento fechado acaba por ter características típicas de um burgo medieval, que vê seu vizinho com baixíssimo grau de tolerância, numa visão sectária. Tornou-se comum para alguns moradores de locais com terrenos e casas maiores, estruturas mais sofisticadas, tentarem subjugar os que residem em loteamentos menores e com condições mais modestas com menosprezo e agressividade. É o pensamento provinciano, essa é a visão pequena burguesa em sua realidade, sem a figuração generalista que delineia o comportamento da classe média. Uma gente arredia, que trata o bem público sob a ótica do privado, do lucro a ser aferido, seja no segmento econômico ou social. Por isso que é proibitivo se discutir sobre a violência entre outras carências no feudo Urbanova, pela visão mercantilista e obsoleta reinante aqui. O que também explica a recusa em se criar projetos conjuntos, como o de segurança integrada. Há vereadores, por exemplo, que moram aqui e se escondem, fazem cinicamente suas bases longe do bairro, distante dos problemas existentes onde residem. Socialmente estamos na Idade Média.

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